Território e competitividade sistêmica (Juarez de Paula)
18 de junho de 2009 at 14:52 Sofia Dowbor Deixe um comentário
Por Juarez de Paula, junho de 2009
A despeito da crescente globalização da economia, o sistema econômico mundial não é composto apenas pelas corporações transnacionais que disputam a hegemonia das atividades financeiras, comerciais e de produção no mercado internacional. A verdade é que mais de dois terços da riqueza mundial circula nas economias locais, onde prevalecem as micro, pequenas e médias empresas.
Além disso, ainda que a maioria das decisões de investimento produtivo seja tomada por atores que operam numa escala territorial de âmbito global e nacional, não deixa de ser relevante e significativo o papel dos atores econômicos na escala regional, sub-regional e local.
Esta é a razão pela qual alguns economistas fazem referência a um “circuito superior” da economia, dominado pela lógica das grandes empresas e do mercado globalizado, e a um “circuito inferior”, dominado pela lógica dos pequenos empreendimentos e do mercado local. Ainda que o “circuito inferior” da economia esteja subordinado à dinâmica do “circuito superior”, importa reconhecer que existe uma relativa autonomia entre os dois e que eles não funcionam exatamente da mesma forma.
Convém considerar também que o fenômeno da globalização, com seus processos de flexibilização dos sistemas produtivos e de intensificação dos fluxos de informações, de capitais, de produtos e de pessoas, acabou por conferir uma nova dimensão e importância ao território, que passou a ser considerado como fator de competitividade econômica.
Assim sendo, faz sentido discutir o desenvolvimento territorial e as iniciativas que podem ser tomadas para promover mais dinamismo, mais produtividade, mais competitividade e mais sustentabilidade nas economias locais.
Hoje, o fator estratégico que define a competitividade econômica é a capacidade de inovação, que depende, por sua vez, do acesso à informação e ao conhecimento. A inovação, na perspectiva econômica, é mais do que o desenvolvimento tecnológico. É a capacidade de gerar ganhos de produtividade, seja na produção ou na gestão. É a capacidade de criar produtos diferenciados, seja pelo ineditismo, pela qualidade, pela agregação de valores intangíveis, pela forma de conquistar o mercado. É a capacidade de identificar e satisfazer os desejos do consumidor, ou até mesmo de criar novos desejos e necessidades.
O grande desafio da promoção do desenvolvimento territorial é a criação de um ambiente favorável para a inovação, que gere impactos positivos junto às micro, pequenas e médias empresas, de modo a elevar a produtividade, a competitividade e a sustentabilidade dos pequenos negócios, ampliando a competitividade sistêmica do território.
As micro, pequenas e médias empresas constituem a maior parte do universo empresarial. No Brasil, representam 99% dos negócios do país, sendo 4,5 milhões de empresas formais e 10,3 milhões de empreendimentos informais, totalizando 14,8 milhões de pequenos negócios. São também as maiores geradoras de postos de trabalho, cerca de 28,7 milhões de empregos formais, sem contar as ocupações informais estimadas em 50% da população economicamente ativa, o que representa um importante fator de distribuição de renda, ampliação do mercado interno e manutenção da capacidade de consumo.
Portanto, não há como discutir o tema do desenvolvimento territorial sem uma forte focalização na capacidade de inovação dos pequenos negócios locais, o que requer medidas específicas, diferenciadas e prioritárias para as micro, pequenas e médias empresas. É preciso facilitar a modernização empresarial, criando um ambiente de inovação tecnológica, organizacional, de gestão e de marketing. Trata-se de construir uma nova agenda de gestão pública e privada para a promoção do desenvolvimento territorial, a partir dos pequenos negócios.
A competitividade sistêmica territorial não depende mais de vantagens comparativas estáticas, tais como as dotações de recursos naturais, uma localização privilegiada que reduza custos logísticos ou a disponibilidade de mão-de-obra barata. Cada vez mais ganham relevância as vantagens competitivas dinâmicas, tais como as inovações tecnológicas, organizacionais, de gestão e de marketing, todas elas dependentes do maior acesso à informação e ao conhecimento, que por sua vez dependem da qualidade dos recursos humanos disponíveis.
Para alcançar maior competitividade sistêmica territorial, é preciso apostar simultaneamente em três iniciativas:
(a) a busca pela inovação tecnológica, organizacional, de gestão e de marketing nas empresas, o que repercute no aumento da produtividade, da qualidade e da diferenciação dos produtos, como também da capacidade de comercialização;
(b) a constituição de redes empresariais que trabalhem na perspectiva de reduzir os custos transacionais e de dotar o território dos serviços necessários ao desenvolvimento empresarial, criando um ambiente favorável à inovação e à sustentabilidade;
(c) a construção de parcerias entre o setor privado e o setor público, que fortaleçam a governança local, melhorando o planejamento participativo e a gestão compartilhada do desenvolvimento territorial.
Não basta que as empresas, isoladamente ou em grupos setoriais, melhorem sua competitividade. Caso o território não seja capaz de oferecer vantagens competitivas dinâmicas, as empresas não permanecerão ou não prosperarão, e o território não se desenvolverá. Assim sendo, o território passa a ser um fator decisivo para o desenvolvimento e deve buscar permanentemente melhorar suas condições de competitividade sistêmica.
Considerando que o tecido empresarial do território é formado, basicamente, por micro, pequenas e médias empresas e que tais empresas não dispõem de recursos para prover a si mesmas de todos os serviços de desenvolvimento empresarial necessários para melhorar a sua competitividade, impõe-se, portanto, a tarefa de dotar o território de tais serviços, por intermédio da cooperação inter-empresarial e da parceria entre o setor privado e o setor público.
Quando nos referimos aos “serviços de desenvolvimento empresarial” que geralmente não estão ao alcance dos pequenos negócios, estamos falando de acesso facilitado, por exemplo, aos serviços de pesquisa e inovação tecnológica, aos serviços financeiros, aos serviços de capacitação empresarial, aos serviços de inteligência comercial e acesso a mercados, aos serviços de design de produtos e embalagens, aos serviços de certificação, aos serviços de apoio à exportação, aos serviços de qualificação de recursos humanos, aos serviços de contabilidade e planejamento fiscal, aos serviços de marketing, comunicação e publicidade, dentre muitos outros.
Esses e outros serviços podem se tornar acessíveis para os pequenos negócios através de soluções coletivas e compartilhadas, criadas e desenvolvidas através da cooperação entre empresas, por meio de associações, cooperativas ou consórcios. Equipamentos públicos de serviços podem ser obtidos através de parcerias com instâncias governamentais, de modo a influenciar e orientar os investimentos destinados ao território, para que estejam alinhados com as vocações e oportunidades econômicas, com as iniciativas empresariais e com as estratégias locais de desenvolvimento.
A constituição de um ambiente favorável à inovação e de um entorno empreendedor que facilite o desenvolvimento territorial, exige o fortalecimento das redes de relacionamento entre os atores locais que podem contribuir nesse processo. É importante organizar e fortalecer não só as redes empresariais, mas também espaços de interlocução entre as empresas, as instâncias de governo, as universidades e institutos de pesquisa tecnológica, as instituições financeiras e de fomento produtivo, os diversos prestadores de serviços de desenvolvimento empresarial, dentre outros atores locais potencialmente relevantes.
Isso quer dizer que a conquista da competitividade sistêmica territorial depende também da capacidade de inovação institucional, ou seja, da criação de novas instituições que facilitem o diálogo, a cooperação e a parceria entre os atores locais mais relevantes. A mobilização e organização dos atores locais, o que também chamamos de protagonismo local, é uma condição para o desenvolvimento endógeno, aquele que resulta de iniciativas “de baixo para cima e de dentro para fora”. Não haverá inovação institucional sem a adesão das instâncias governamentais, portanto, o desenvolvimento territorial exige também inovação na gestão pública.
Os gestores públicos locais devem compreender a necessidade de assumir um novo papel, de catalisadores de processos de mudança, de facilitadores da construção de uma governança local democrática, de organizadores do planejamento participativo e da gestão compartilhada de um plano estratégico de desenvolvimento territorial.
Os gestores públicos não podem substituir a iniciativa dos empresários locais na criação de novos negócios e na modernização e ampliação dos negócios já existentes. Mas podem, através do planejamento estratégico e da gestão com foco em resultados, promover a concertação de interesses, a construção dos consensos possíveis e necessários para alavancar um processo de desenvolvimento endógeno. Além disso, os investimentos públicos, quando alinhados com as oportunidades e vocações econômicas do território, podem produzir resultados de maior qualidade e sustentabilidade.
Cooperação e parceria entre as empresas e entre o setor privado e o setor público, são fatores que produzem externalidades positivas para a competitividade sistêmica territorial, possibilitando que as empresas locais aproveitem melhor suas relações de proximidade, consolidando vantagens da economia de aglomeração, criando condições favoráveis para a troca de informação, conhecimento e experiência, que resultam em aprendizado coletivo e inovação. Esses são os aspectos intangíveis do desenvolvimento territorial, que mesmo sendo difíceis de mensurar, são imprescindíveis.
Finalmente, existem três fatores críticos para o êxito de processos de desenvolvimento territorial: a formação de recursos humanos, o desenvolvimento tecnológico e o financiamento das atividades empresariais.
A disponibilidade de recursos humanos qualificados é uma condição para o processo de modernização das empresas, no sentido da busca por inovações tecnológicas, organizacionais, de gestão e de marketing.
Apesar disso, as micro, pequenas e médias empresas não dispõem de meios para promover esta qualificação, posto que se trata de uma operação de alto custo e que requer muito tempo para o alcance dos resultados. Assim sendo, é especialmente importante a cooperação entre o setor público e o setor privado, para que os investimentos públicos em educação possam estar em sintonia com as oportunidades e vocações econômicas do território e com as demandas efetivas das empresas locais. Além disso, é importante assegurar a oferta de serviços de capacitação empresarial e de recursos humanos com foco nas atividades econômicas prioritárias do território, utilizando, sobretudo, os recursos públicos destinados para este fim, como os do Sistema S (SEBRAE, SENAI, SENAC, SENAR, SESCOOP, SENAT) e os programas do Ministério do Trabalho e Emprego para qualificação de trabalhadores.
A capacidade local de inovação depende, em grande medida, da existência de instituições de pesquisa e desenvolvimento tecnológico no território. Não se trata, nesse caso, de institutos de alta tecnologia, voltados para pesquisas de última geração. Estamos falando de instituições voltadas para a pesquisa de soluções que melhorem a produtividade dos negócios locais. Aqui também é fundamental a parceria entre o setor público e o setor privado, no sentido de aproveitar recursos públicos destinados às Escolas Técnicas Federais, às Universidades Públicas, às empresas de pesquisa como a EMBRAPA, aos institutos de certificação como o INMETRO e aos programas do Ministério da Ciência e Tecnologia, para facilitar o acesso a bolsas de pesquisa, à instalação de incubadoras de empresas, à instalação de laboratórios, à criação de Centros Vocacionais Tecnológicos, a serviços de design de produtos e embalagens, a serviços de certificação de qualidade de produtos, dentre outros.
O financiamento de projetos das micro, pequenas e médias empresas locais, como também de novos empreendimentos, é dificultado pela ausência de instituições financeiras no território ou pela inadequação dos instrumentos financeiros disponíveis no mercado. Estimular o cooperativismo de crédito, a criação de sociedades de garantia de crédito ou de aval, a criação de instituições de microfinanças, podem ser alternativas concretas para reter a poupança local e direcioná-la para o financiamento de atividades produtivas no próprio território. Além disso, as relações de proximidade e de confiança costumam resultar numa melhor gestão de riscos, reduzindo as taxas de juros, os custos operacionais e a inadimplência, o que permite o desenvolvimento de produtos financeiros mais adequados às necessidades locais.
Desenvolvimento territorial e desenvolvimento dos pequenos negócios são temas convergentes. A produtividade, competitividade e sustentabilidade das micro, pequenas e médias empresas dependem, cada vez mais, da competitividade sistêmica dos territórios e da sua capacidade de criar um ambiente favorável à inovação e ao empreendedorismo. Todavia, esta tarefa não pode ser assumida isoladamente nem pelos empresários, nem pelas instâncias de governo local. Somente o fortalecimento das redes de cooperação e parceria entre esses atores será capaz de produzir o protagonismo local e o desenvolvimento endógeno.
O momento atual parece bastante oportuno para que os micro, pequenos e médios empresários e os gestores públicos locais compreendam a força dos pequenos negócios para a manutenção do crescimento, dos empregos, da renda e do consumo, de modo que possamos superar a recessão e a crise, ao tempo em que fortalecemos um novo caminho de desenvolvimento.
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