A crise e as oportunidades para uma agenda de mudanças estruturais (Moacir Gadotti) 

10 de setembro de 2009 at 14:28 Deixe um comentário

Por Moacir Gadotti*, setembro de 2009
Aprendizados da Mesa Redonda Nacional Crise & Oportunidade

Caros companheiros e companheiras do Projeto GT Crise & Oportunidade,

Eis algumas impressões da Mesa Redonda Nacional organizada pelo Projeto Crise & Oportunidade, em São Paulo, dia 10 de agosto de 2009. Esse texto expressa meus sentimentos e aprendizados dessa notável reunião em que os assuntos econômicos acabaram não se distanciando de minhas preocupações educacionais, pois é partir sobretudo do campo da educação, por dever de ofício, que devo situar minhas considerações, agregando algumas referências aos textos que foram disponibilizados no Blog Crise & Oportunidade.

Nota-se que, desde já, a crise está sendo uma oportunidade para reafirmar o papel do estado na economia e de reforçar políticas sociais de emprego e distribuição de rende: o poder de compra das pessoas mais empobrecidas possibilitado pelo Bolsa Família acabou se tornando, no Brasil, um fator de resistência à crise.

Mas o que apareceu desde logo nas discussões, é que a crise nos oferece a grande oportunidade de rediscutir o modelo de desenvolvimento e o próprio conceito de desenvolvimento entendido como “crescimento econômico”, uma oportunidade a mais para discutir a questão mais profunda da injustiça social e da desigualdade econômica. Como diz Paul Singer, “a instabilidade é característica de qualquer mercado livre” (Paul Singer, maio de 2009, A América Latina na crise mundial).

A questão do modelo já está posta na região. Chamou-me muito a atenção no ano passado quando a Constituição do Equador introduziu o conceito indígena de “bem viver” (em vez de desenvolvimento) e adotou, como política de estado, o conceito de economia solidária. Mais do que um conceito, o “bem viver” é uma prática ancestral dos indígenas que consiste em ter um modo de vida equilibrado e em harmonia dos seres humanos entre si e destes com a natureza, onde se encontram todos os elementos (água, ar, terra…) de que precisa para o seu bem viver. Esse conceito só foi valorizado agora como “novo paradigma”, quando o modo dominante de viver hoje, que se fundamenta na exploração econômica, na dominação política e no esgotamento da mãe Terra, está pondo em risco a própria sobrevivência da própria espécie.

Essa discussão implica a discussão do aquecimento global e das mudanças climáticas (gatilho de todas as crises), e o conseqüente “repensar do paradigma energético-produtivo”, como afirma Ladislau Dowbor (08 de junho de 2009, Crise financeira: riscos e oportunidades). Uma mudança significativa no modelo implica pelo menos duas dimensões: o desenvolvimento sustentável e a democratização do conhecimento. Na primeira dimensão incluiria o conceito de economia solidária e desenvolvimento local (pequenos negócios, cooperativas, agricultura familiar, mutirões,) e na segunda dimensão a democratização das comunicações (radicalização da democracia).

A saída seria “includente e sustentável”, como afirma Juarez de Paula (9 de maio de 2009, Políticas de apoio ao desenvolvimento local). Os dados do IPCC corroboram essa tese: se continuarmos na rota atual, o planeta não vai mais suportar a a ação humana. A categoria sustentabilidade é central se pensamos num novo paradigma de vida que harmonize, ser humano, desenvolvimento e sistema Terra. O nó da sustentabilidade é o “crescimento sem limites”, como vem afirmando Ignacy Sachs e Amartya Sen, defendendo um “ecodesenvolvimento”. A crise econômica não pode esconder ou minimizar o tema da sustentabilidade. Ao contrário, a sustentabilidade é um conceito fundante do novo paradigma econômico.

A crise é uma oportunidade de mudanças significativas muito além da dimensão financeira e pode alcançar a melhoria da qualidade da educação e dos serviços de saúde. Como “convergência de crises” – efeito estufa, energética, água potável, alimentos e pobreza – (Ladislau Dowbor, 1 de julho de 2009, A crise financeira sem mistérios: convergência dos dramas econômicos, sociais e ambientais). devemos associar uma visão global a medidas medidas práticas concretas desde já (sem ter a pretensão de consertar desde logo todo o sistema), e construir, como se propõe a convocatória para a Mesa-Redonda, uma “agenda de mudanças estruturais”. O gestor público certamente não poderá esperar as mudanças estruturais: poderá introduzir medidas concretas para se chegar lá mais rapidamente e em tempo. O “conceito de revolução hoje”, diz John Holloway em sua obra de “Mudar o mundo sem tomar o poder”, implica organizar a resistência/transformação nas “fissuras” do sistema.

Como educador não vejo que haja justiça social e igualdade de oportunidades sem a extensão educação de qualidade para todos e todas. Se para crescer precisamos distribuir renda, crescer significa distribuir conhecimento que é a principal riqueza de que dispomos. Trata-se, acima de tudo, de tirar o empobrecido da miséria e transformá-lo em cidadão. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sem um programa de educação popular cidadã só vai ficar na “infra-estrutura”, não incidindo na necessária transformação cultural das consciências. Envolver os movimentos socais e as Ongs nesse processo é fundamental. Sem a sociedade o estado não dará conta de fazer as necessárias “mudanças estruturais”. O Brasil está tendo um crescimento menor entre os países chamados de “emergentes” devido ao seu atraso educacional. Uma agenda de mudanças estruturais deve incluir a universalização da educação em todos os níveis.

Finalmente, nossa “Agenda de Mudanças Estruturais”, além de se articular com agendas de outros países e de outros grupos, como propôs Paul Singer no final da reunião, deve dirigir-se à Sociedade, “seja qual for o governo, porque os movimentos sociais estão mudando este país” – disse ele – e deve também ser, segundo Carlos Tibúrcio, uma agenda “pós-crise e oportunidade” para que a articulação e sinergia que se criou no grupo possa continuar perseguindo seus objetivos de embasamento científico e construção de alternativas. A metodologia do Blog foi muito elogiada.

Valeu. Vamos esperar o próximo encontro (ampliado, internacional) em Fortaleza, em novembro. Bom trabalho.

 

*Moacir Gadotti é Diretor do Instituto Paulo Freire e Professor Titular da Universidade de São Paulo.

Publicidade

Entry filed under: Moacir Gadotti. Tags: , , , , .

O ponto crítico da Civilização (Lester Brown) A crise pode ser uma oportunidade para o Brasil diminuir as desigualdades regionais? (Tânia Bacelar) 

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Trackback this post  |  Subscribe to the comments via RSS Feed


Comissão convocadora

Amir Khair, Antonio Martins, Caio Magri, Caio Silveira, Carlos Lopes, Carlos Tibúrcio, Darlene Testa, Eduardo Suplicy, Ignacy Sachs, Juarez de Paula, Ladislau Dowbor, Luiz Gonzaga Beluzzo, Moacir Gadotti, Márcio Pochmann, Paul Singer, Roberto Smith.

Feeds


 
Logo BNB
 
Logo IPEA
 
Logo IPF
 

 

 

As postagens deste blog estão abertas para seus comentários.
Para comentar os artigos, use o link "add comment" no rodapé de cada texto.

 
 
 

Se desejar mais informações sobre Crise e Oportunidade entre em contato conosco através do e-mail criseoportunidade@utopia.org.br

 
 

 
 
O objetivo geral de Crise e Oportunidade é de identificar na crise global as oportunidades de se colocar em discussão temas mais amplos, buscando a organização da intermediação financeira e dos fluxos de financiamento para que respondam de maneira equilibrada às necessidades econômicas, mas que sobretudo permitam enfrentar os grandes desafios da desigualdade e da sustentabilidade ambiental, nos planos nacional, regional e global.

 
 
 
 
Ajude a divulgar esta iniciativa colocando este botão em seu site ou blog (<b>https://criseoportunidade.wordpress.com</b>)

Ajude a divulgar este espaço de debate colocando este botão em seu site ou no seu blog.

 
 
 
 
 
 
Licença Creative CommonsEste blog está licenciado sob uma Licença Creative Commons 2.5 BR

%d blogueiros gostam disto: