O desenvolvimento é necessariamente um processo de concertação (Artur Henrique da Silva)

13 de novembro de 2009 at 13:02 3 comentários

Por Artur Henrique da Silva*, novembro de 2009

Em busca de um novo padrão de produção e consumo com sustentabilidade política, ambiental e social

Ao longo da história política do Brasil, a experiência de Estado Democrático, aquele de ampla participação social é considerada como de exceção. Gerações foram formadas num ambiente onde as reivindicações populares e do movimento operário foram tratadas como movimentos de desordem com o intuito de por em xeque a ordem institucional estabelecida[1].

Os movimentos sociais que prosperaram ao longo dos anos 70 e 80, em especial o movimento operário, constituído a partir de uma institucionalidade estabelecida , será aquele que irá se contrapor ao modelo político que restringe a participação da classe assalariada nas definições dos rumos políticos e econômicos do país.

O movimento que se espraiou para além do movimento operário em denúncia contínua do modelo econômico, da exploração excessiva da mão-de-obra trabalhadora e do cerceamento dos direitos políticos dos cidadãos e restrita participação social nos fóruns de decisão granjeou, em cada momento, novos adeptos incorporando ao movimento diversas categorias profissionais e organizações sociais.

No âmbito do movimento dos trabalhadores, a reunião de diversas categorias profissionais no Congresso da Classe Trabalhadora – CONCLAT foi um passo importante em direção à democratização das instâncias de decisão.
A formação da Central Única dos Trabalhadores surge da vontade dos trabalhadores de construção de uma Central Sindical, à revelia do código laboral, mas numa firme posição em direção a um projeto democrático-popular.
O retorno do país às instâncias democráticas, a partir das eleições diretas em 1989 para todos os níveis de governo e da representação legislativa foram marcos importantes que resultaram desse amplo movimento social.

Se, por um lado, a sociedade passa a ser vista e ouvida por meio do voto direto e da eleição de representantes comprometidos com os movimentos sociais, o capitalismo também passava por uma ampla reestruturação do ponto de vista global. Os resultados da reorganização do capital no interior da nação brasileira é o movimento da desregulamentação sustentada pela teoria neoliberal. O mercado soberano defendido pelos adeptos dessa teoria, cujos canais de propagação influenciaram governos de muitos países, em especial aqueles caracterizados como em processo de desenvolvimento, como foi o caso do Brasil, deixou em seu rastro um contingente de desempregados e um mercado de trabalho desestruturado.

Por outro, o movimento dos trabalhadores, em âmbito mundial, sofreu um sério revés em sua organização a partir dos efeitos da crise global dos anos 90, e a atual crise do sistema capitalista também coloca em cheque o alicerce teórico do modelo. As ações dos governos na direção de implementação de políticas anticíclicas traduzidas, inclusive nos países ricos, pelo repasse de volumosos recursos públicos, com intuito de amenizar o efeito da desregulamentação do capital financeiro especulativo, descolado da estrutura produtiva, revela que o mercado por si só não dá conta de resolver os desequilíbrios de curto prazo do sistema.

Embora seja verdade que os governos, de modo geral, se mobilizam no sentido de transferir recursos públicos para salvar as instituições privadas, como é o caso dos países desenvolvidos; no Brasil, o governo tem adotado uma série de medidas de renúncia fiscal, aumento dos gastos do governo como forma de incentivar a atividade produtiva, e redução da taxa de juros como forma de estimular o investimento produtivo. No caso brasileiro, as ações tomadas pelo governo indicam que os efeitos da crise foram minorados, e os dados do mercado de trabalho mostram resultados nessa direção. Contudo, o desemprego no país é elevado e a assistência aos trabalhadores desempregados e daqueles sem cobertura previdenciária carece de ações para a construção de um Brasil soberano, justo e desenvolvido e isso passa necessariamente pelo fortalecimento da democracia e dos movimentos sociais.

O trabalho assalariado é a base da estrutura da sociedade moderna e a valorização do trabalho sedimenta a estrutura familiar e; nesse sentido, conforme enfatizamos que o progresso material é vital para a melhoria generalizada das condições de vida da população. O crescimento continuado da produção e da renda é condição necessária para a estruturação do mundo do trabalho e ampliação do bem-estar social. Porém, a experiência histórica mostra que o crescimento econômico só se traduz em desenvolvimento social quando há uma distribuição de renda mais igualitária e melhoria do bem-estar geral da população que envolve a ampliação dos serviços públicos de uso coletivo tais como: saúde, educação, transporte de massa, saneamento e outras políticas urbanas e rurais. Estas; além de garantir o acesso a serviços fundamentais, sobretudo, para a população de baixa renda, gera intensa demanda de trabalho.

Para que todos os trabalhadores tenham um padrão de vida razoável, essa ampliação dos serviços precisa ser acompanhada de um intenso crescimento da produção de bens e da produtividade na sua elaboração. Parte desses bens pode ser importada ou depender de importação, o que exige a capacidade de o país ter condições de manter um nível de exportação capaz de sustentar as importações necessárias. Esse desenvolvimento produtivo requer investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico que são fundamentais para atualizar o aparelho produtivo nacional, capacitando-o a acompanhar os avanços dos países que estão na fronteira do progresso técnico. Esse modelo de desenvolvimento deve assentar-se sobre a produção de bens e serviços de maior valor agregado e alto conteúdo tecnológico, sem deixar de explorar as oportunidades nas atividades ligadas ao agronegócio que, no entanto, não devem ter a proeminência que tiveram no passado[2].

Tal diretriz tende a elevar o nível da distribuição da renda do trabalho em dois sentidos: dos preços e da composição das ocupações. Em relação aos preços, o desenvolvimento – e conseqüente aumento da oferta de produtos e serviços deve permitir uma evolução favorável em comparação com a renda dos trabalhadores. Quanto à composição das ocupações, o desenvolvimento deve permitir deslocamentos de trabalhadores com ocupações de baixo rendimento e produtividade para outros patamares mais elevados. Portanto, um projeto contemporâneo de desenvolvimento deve combinar crescimento econômico com diversificação da estrutura produtiva para possibilitar tanto a elevação sustentada da produção nacional como a geração de postos de trabalho de maior qualidade, rendimento e produtividade.

A natureza do desenvolvimento deve contemplar além da quantidade e qualidade de postos de trabalho gerados, a regulação pública do trabalho e políticas de mercado de trabalho que garantam as condições para a valorização do trabalho na sociedade. Nesse sentido, o patamar de direitos e de proteção social está relacionado tanto à capacidade de organização dos trabalhadores como às condições objetivas possibilitadas pela estrutura econômica e política presente na sociedade. Portanto; a luta pela ampliação da proteção e da incorporação das pessoas em ocupações decentes necessita combinar, no caso brasileiro, a defesa dos direitos com uma política de estruturação do mercado de trabalho, que passa necessariamente pelo incremento do desenvolvimento econômico com distribuição de renda.
Significa conformar um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável, socialmente equitativo e geopoliticamente equilibrado, que deve ocorrer a partir de dois aspectos centrais: a construção de uma agenda pró-ativa que contribua decisivamente na proposição do projeto alternativo que almejado, como futuro para a humanidade e pela consolidação de relações de trabalho democráticas.

Esse modelo deve ser capaz de redirecionar a economia para o crescimento de modo a possibilitar o aumento da produtividade ao mesmo tempo em que incorpore parcela crescente da população ativa, redistribuindo melhor o tempo de trabalho; isto é, reduzindo a intensidade do trabalho e ampliando a participação da força de trabalho na produção. Nesse campo, situam-se as políticas para a ampliação da reforma agrária, do fortalecimento da agricultura familiar, da redução da jornada de trabalho sem redução de salário e limitação do uso das horas extras.

Nesse sentido, é de fundamental importância a política latino-americana no esforço de construção de outro modelo de desenvolvimento. Precisamos ressaltar o internacionalismo sindical com as experiências de transição pós-neoliberal que ocorrem no subcontinente. Mais integração, mais solidariedade e mais organização contribuirão decisivamente para organizar nossa agenda.

Algumas experiências brasileiras
Têm sido várias as iniciativas, propostas, articulações mobilizações no sentido de superar os problemas brasileiros em especial a questão da distribuição de renda e geração de emprego. Infelizmente, mesmo tendo sido estas propostas bem recebidas pelo Presidente Lula, o governo encontra dificuldades de absorver grande parte das sugestões. O caminho possível nos parece residir na intensificação das articulações políticas visando a construção de determinados pontos de convergência entre trabalhadores, empresários e Governo.

Uma experiência positiva na busca de produção de consenso envolvendo tema de uma agenda de desenvolvimento corresponde á negociação do Salário Mínimo que envolveu todas as Centrais Sindicais de diversas matizes ideológicas de um lado e o governo de outro. O resultado desse acordo que favoreceu aproximadamente 43 milhões de trabalhadores brasileiros é um claro mecanismo de distribuição de renda e diminuição das desigualdades existentes no mercado de trabalho nacional.

A negociação pela recuperação do valor do salário mínimo mostra que é possível estruturar ações no sentido da valorização do trabalho, modificando a vida de milhões de pessoas, que no caso do salário mínimo, a maioria, composta de trabalhadores de segmentos não organizados e que não participam de contratação coletiva.

A idéia de que a democracia, com o envolvimento de amplos setores da sociedade organizada, seja obstáculo para a eficiência na tomada de decisão não pode ser empecilho pela busca de um modelo democrático consociativo.

Nos espaços democráticos de discussão, todas as análises e argumentos são passíveis de contestação, tanto técnicas quanto políticas. Os interesses são explicitados e o tecnicismo é suplantado pelo debate. Não há verdades absolutas, tão pouco pensamento único, mas uma pluralidade de visões das quais são definidas as escolhas. E as certezas são estabelecidas pela conjuntura política, econômica e social representadas nos fóruns de debate.

Por exemplo, as escolhas no que se refere às potencialidades abertas pelas descobertas dos poços de petróleo do pré-sal e da bioenergia são patrimônios dos quais a nação deverá definir em espaços democráticos, na qual o papel dos técnicos será fundamental, porém, somente uma das múltiplas determinações que definirão nosso futuro.

A consolidação de um Estado Democrático
A crise atual permite que questionemos com mais intensidade os pilares da ordem capitalista. Sua superação deve resultar da construção de um modelo alternativo, antagônico ao atual, hegemonizado pelo capital, efetivamente democrático e popular. É nesse sentido que se localizam os projetos de Estado e de desenvolvimento defendidos por nós.

Por isso, entendemos como essencial a busca do diálogo e da concertação para a consolidação de um modelo de desenvolvimento que tenha como elemento decisivo a participação popular nas decisões políticas e centro a sustentabilidade econômica, social e ambiental, a distribuição de renda e a valorização do trabalho.

Para o Brasil, defendemos uma proposta de reorganização do Estado segundo princípios democráticos; assentada na garantia e na ampliação de direitos – especialmente os do trabalho -, na crítica ao predomínio dos princípios mercantis, para reverter a lógica privatista neoliber al de sucateamento e desmonte do Estado, e na constituição de uma esfera pública cada vez mais estruturada por processos de democracia direta e participativa. O que implica a compreensão de que lutamos por um Estado forte, com capacidade de investimentos em políticas públicas voltadas para o atendimento dos interesses e demandas da maioria população nos campos da educação, da saúde e da proteção social, e no estímulo à produção fomentando a geração de trabalho decente e a ampliação dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Um Estado Democrático, com caráter público, cuja gestão esteja sustentada na participação ativa da sociedade civil. Implica a compreensão de uma concepção de sociedade cuja cidadania se expresse através de instrumentos que coadunem aspectos da democracia direta e indireta, já que a construção de um novo marco ético-político na gestão do Estado em nosso país, passa necessariamente pela construção de um projeto que lhe confira um caráter democrático e popular.

Se a ampliação da intervenção do Estado for combinada com o controle social de suas atividades, os cidadãos e cidadãs ganharão mais poder de decisão sobre as próprias condições de vida. Portanto, fortalecer o Estado e ampliar os espaços de participação social nas diversas instâncias decisórias é fundamental para que seja implementado um projeto legítimo de desenvolvimento para o país. Assim, entendemos como necessária uma mobilização social crescente, para implementar uma reforma política democrática que aprofunde os mecanismos de participação popular, como os plebiscitos, referendos, orçamento participativo, incentivar as leis de iniciativa popular, além do fortalecimento dos conselhos, assembléias e conferências. O controle social é fundamental para redefinir o papel do sistema financeiro, de forma a ampliar e baratear o crédito visando o desenvolvimento econômico e a geração de empregos; assim como é elemento essencial dessa construção o orçamento federal, pois envolve o conjunto das políticas sociais.

Por fim, é preciso, também, que os espaços de participação social sejam institucionalizados e aperfeiçoados em seus instrumentos decisórios. As dezenas de conferências nacionais inauguraram uma nova relação entre Estado
e movimentos sociais. Essas experiências devem ser incrementadas com mais mecanismos decisórios e de planejamento participativo.

Enfim, a melhor resposta para a complexidade do momento é a defesa do desenvolvimento com geração de emprego e renda, defesa dos direitos da classe trabalhadora e a participação da sociedade no controle das diversas esferas econômicas e sociais. A inclusão social, a participação popular e a valorização do trabalho são os pilares para que se consolide, no Brasil e na América Latina, estados nacionais democráticos.

*Artur Henrique da Silva Santos é sociólogo e presidente nacional da CUT – Central Única dos Trabalhadores

________________
[1]A estrutura sindical prevista pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT de 1945, vigente até o momento atual é também o marco regulatório das relações de trabalho.
[2] O País dispõe de uma ampla dotação de recursos naturais. A exploração desses recursos permite uma razoável base de exportação. Entretanto, o crescimento necessário para incorporação no mercado de trabalho da população brasileira exigirá uma diversificação da estrutura produtiva, que inclusive permita melhorar o padrão de comércio, ampliando o grau de transformações das exportações e reduzindo a dependência da importação de produtos mais sofisticados tecnologicamente e que tem alto valor agregado e elevada elasticidade renda da demanda.

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3 Comentários Add your own

  • 1. Ladislau Dowbor  |  14 de novembro de 2009 às 18:14

    O artigo de Artur Henrique traz de forma clara os principais eixos de mudança: uma governança mais democrática, uma gestão mais participativa, empregos de qualidade centrados na construção do equilíbrio social e de políticas sustentáveis. É o “norte” para as nossas ações.

    Responder
    • 2. Artur Henrique  |  29 de novembro de 2009 às 22:09

      Dialogando com Prof. Dowbor, é essencial que aprofundemos a reflexão sobre a democracia participativa visando construir porposições cada vez mais adequadas ao Brasil que queremos.

      Responder
  • 3. Fernando  |  2 de fevereiro de 2010 às 7:48

    Caro, Artur,
    Li seu artigo e verifiquei que possuímos uma linha próxima de pensamento.
    gostaria muito de poder participar da sua equipe na Organização social, pois além de apreciar as suas idéias tenho uma gama de idéias que podem auxiliá-lo na organização.
    Por favor entre em contato para marcamos uma reunião
    7183-9394. prof. fernando,
    visite o meu blog e confira os meus artigos, estou publicando um livro que sairá em fevereiro sobre inovação e competitividade global que corrobora o que estamos pensando.
    Um abraço.

    Responder

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