Terrorismo monetário (Amir Khair)
10 de novembro de 2009 at 15:58 Sofia Dowbor Deixe um comentário
Por Amir Khair, novembro de 2009
O mercado financeiro e o Banco Central (BC) prevêem que a inflação até o final de 2011 não ultrapasse o centro da meta de 4,5% ao ano. Apesar disso, defendem um aumento da taxa básica de juros Selic em 2010 e 2011 para níveis superiores a 10% ao ano. Avaliam que a expansão fiscal do governo federal geraria aumento de demanda que superaria a oferta de bens e serviços produzidos no País, causando inflação.
Esta avaliação precisa ser questionada, pois interessa ao mercado financeiro a Selic crescer: além dos maiores lucros com os juros dos títulos do governo federal, aumentam o spread em suas operações de financiamento. Em contrapartida perde o País, pelos maiores custos a serem suportados pelo governo e pelas empresas e pela redução da atividade econômica.
Afirma o mercado financeiro que o forte crescimento econômico irá ultrapassar o produto potencial, ou seja, a máxima capacidade de produção do Brasil. Ou ainda, usam o conceito de taxa de juros neutra, ou seja, a Selic real (excluída a inflação) não pode ficar abaixo de determinado nível, pois causaria inflação. Quando interessa parar de baixar a Selic, o argumento mais usado é que seu efeito sobre a economia leva de 6 a 9 meses para se consolidar.
Os conceitos de produto potencial e taxa de juros neutra e o tempo de 6 a 9 meses necessário para produzir efeito sobre a inflação é que são objetos desta breve análise, como contribuição a reflexões mais profundas sobre estes conceitos e argumentos.
A importância desta discussão é que caso não procedam estas teses, o País poderia adotar taxas de juros básicas em níveis compatíveis com a realidade internacional, ou seja, entre cerca de 5% ao ano no caso de países emergentes ou de 1% no caso dos países considerados desenvolvidos. Essas taxas são compatíveis com inflações baixas ou até deflação.
Os benefícios seriam imediatos: a) as contas públicas teriam redução de despesas com juros da ordem de 2% do PIB e cairia mais rapidamente a relação dívida/PIB; b) cresceria o investimento, pois as empresas seriam mais estimuladas a investir na produção de bens e serviços do que aplicar nos títulos do governo federal, que proporcionam ganhos sem risco e de liquidez imediata; c) cairiam os ganhos de arbitragem do capital financeiro externo, reduzindo as perdas do País em seu balanço de pagamentos; d) seriam reduzidas as perdas causadas pela elevação das reservas internacionais, que estão sendo responsáveis neste ano por metade do crescimento da relação dívida/PIB; e) ocorreria uma sensível melhora na redistribuição de renda, uma vez que os ganhos financeiros de altas taxas de juros dos títulos federais têm como contrapartida o pagamento de juros pelo poder público cuja fonte de recursos se apóia num sistema tributário fortemente regressivo e; f) o País poderia crescer mais sem correr os riscos de inflação.
Cairia por terra a tese de que maior crescimento significa maior inflação.
Vejamos mais de perto os conceitos e argumentos acima apresentados que defendem a elevação da Selic para controlar os efeitos da expansão fiscal.
Produto Potencial
O produto potencial, como referido, é o PIB máximo que o País pode suportar sem causar elevação da inflação. É calculado segundo modelos econométricos baseados no histórico de crescimento econômico e na inflação ocorrida considerando os fatores que podem limitar o crescimento da produção. Até cerca de cinco anos atrás o produto potencial no Brasil era estimado em cerca de 3%. Como esse nível foi ultrapassado desde 2004, cuja média de crescimento até 2008 foi de 4,8% ao ano, sem causar problemas na inflação, foi alterado variando atualmente entre 4% e 5%.
A falha principal do conceito de produto potencial é que parte do princípio que a oferta de bens e serviços aos consumidores é feita exclusivamente pela produção nacional, como se a economia fosse fechada ao mundo, ou seja, não se teria importações de bens e serviços. Assim, um crescimento da demanda só poderia ser atendido pela oferta local, que não acompanharia este crescimento, gerando inflação.
A globalização econômica reduziu as limitações impostas às importações com reduções expressivas das alíquotas e barreiras de importação, criando maior concorrência internacional e forçando os produtores locais a ofertar produtos em quantidade, qualidade e preço compatíveis com as ofertas de outros países. Foram barateados máquinas, equipamentos, produtos intermediários e produtos finais para consumo.
A consequência deste processo foi a eliminação quase completa de ameaças de inflação, com queda constante na inflação mundial. A oferta tornou-se praticamente ilimitada, pois a produção e exportação mundiais superam largamente a produção de qualquer país. A demanda interna de um país é limitada pelo poder aquisitivo de sua população e condições de financiamento do consumo, porém a oferta de bens e serviços é constituída pela produção para o mercado interno do país, mais do conjunto ofertado internacionalmente pelos vários países.
O caso brasileiro merece destaque dentro deste processo global, pois a par com a desvalorização cambial do dólar em escala internacional, nosso fundamentos macroeconômicos sólidos, as boas perspectivas de crescimento do consumo e a manutenção de enorme diferencial nos juros internos e externos fez com que a valorização do Real talvez tenha sido a maior entre todos os países, reduzindo ainda mais os preços dos produtos importados e dificultando as exportações dos produtos manufaturados.
Além destas considerações, o histórico desde 1996 da inflação e do crescimento do PIB no País indica que crescimento não provoca inflação como é apresentado a seguir.
Embora não tenha ocorrido uma correlação estatisticamente representativa, nota-se uma relação inversa entre o crescimento do PIB e a inflação, ou seja, quanto maior o crescimento do PIB menor a inflação ou vice-versa, o que também contraria a tese do produto potencial.
Taxa de juros neutra
Teoricamente caso a taxa de juros da economia ficasse abaixo de determinado nível facilitaria o crescimento da demanda, que se ultrapassasse a possibilidade atendimento da oferta de bens e serviços, acabaria por desequilibrar o equilíbrio entre oferta e procura elevando os preços, ou seja, a inflação.
Valem aqui os mesmos argumentos já apresentados, pois eventual aumento da demanda, por exemplo, por elevação das despesas governamentais ou do salário mínimo, a oferta da produção do mercado interno se insuficiente, seria complementada pela super-oferta internacional para economias abertas, como é o nosso caso.
Além disso, parece haver uma avaliação pessimista de que as empresas não conseguem aumentar sua oferta diante do aumento da demanda. Se as empresas têm capacidade ociosa, o argumento não procede. Caso não tenha, é porque a empresa foi incapaz de prever em tempo a elevação da demanda e/ou o tempo necessário para aumentar a capacidade seria superior ao necessário. Nestes casos há uma subestimação da capacidade das empresas de acompanhar os movimentos do mercado, o que não parece ser o caso.
Prazo de 6 a 9 meses para surtir efeito a alteração da Selic
Essa afirmativa não tem comprovação teórica ou empírica. É usada como se fosse um axioma matemático ou um dogma religioso. Desconhece-se relação estatisticamente significativa entre essas variáveis, pois são tantos os fatores a influenciar a inflação, que ocorre com freqüência erros de previsão até para períodos curtos de 3 meses. Como o horizonte da política monetária é bem superior os erros de previsão são também maiores.
Fatores Condicionantes da Inflação
O desenvolvimento do processo de globalização interconectando mercados e preços, radicalizando a concorrência entre empresas e países, juntamente com os estruturais aumentos de produtividade e de redução de custos de logística e de comercialização com a progressiva substituição das redes físicas de distribuição por redes eletrônicas, parecem constituir os fatores determinantes da formação de preços em escala internacional e nacional.
Quando as economias eram fechadas, qualquer elevação do poder de compra do consumidor induzia imediatamente elevações nas listas de preços dos fabricantes e, consequentemente dos atacadistas e varejistas. Agora os aumentos de poder aquisitivo gerando maior demanda são imediatamente atendidos pela oferta em escala global, sem riscos de elevação de preços. A demanda interna, vale repetir, é muito menor do que a oferta interna mais externa.
A possibilidade de ocorrer um processo inflacionário em escala global está ligada ao preço das commodities e dos alimentos, que poderão ocorrer com o forte crescimento dos países emergentes, que passam a incluir vultosos contingentes de novos consumidores. Apesar deste aumento verificado durante vários anos antes da crise de setembro de 2008, a inflação mundial e nacional de cada país pouco se alterou mostrando a supremacia da concorrência internacional e do crescimento da produtividade na definição dos preços em escala global.
Como conclusão: podemos crescer a taxas robustas superiores a 5% ao ano sem riscos inflacionários e, portanto, sem temor do terrorismo monetário causador do agravamento da distribuição de renda, do déficit das contas públicas, do baixo nível do investimento produtivo e do atraso em nosso desenvolvimento.
Entry filed under: Amir Khair. Tags: carga tributária, economia, juros, justiça fiscal, propostas, regulação financeira.
Trackback this post | Subscribe to the comments via RSS Feed